Se durante muito tempo os males físicos foram os mais preocupantes
entre os profissionais do Ceará, hoje é a mente que padece e as doenças
psiquiátricas comprometem cada vez mais a rotina de trabalho.
Em 2014, em média, a cada 24 horas, o Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS), concedeu 11 auxílios para profissionais cearenses
diagnosticados com problemas psiquiátricos. Episódios depressivos,
transtornos devido ao uso de substâncias psicoativas e esquizofrenia
estão entre os principais motivos dos afastamentos.
No total, somente no ano passado, 4.074 auxílios foram concedidos pelo
INSS no Estado a profissionais que contribuem com a previdência e
apresentaram transtornos mentais e comportamentais. O número equivale a
6% do total de benefícios do tipo disponibilizados em 2014.
No período equivalente, 4.637 profissionais foram aposentados por
invalidez no Ceará. Destes, 390 (8% do total) tiveram direito ao
benefício por não conseguirem executar as atividades laborais devido a
males psiquiátricos. Neste ano, 566 auxílios-doença já foram
disponibilizados pelo INSS para profissionais cearenses que foram
diagnosticados com algum problema mental.
Análise das queixas
"Na análise destas licenças, é preciso considerar se as queixas dos
trabalhadores são realmente inerentes às atividades que exercem". A
ressalva é feita pelo professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina
da Universidade Federal do Ceará (UFC), Antônio Mourão Cavalcante, que
acrescenta que é fundamental observar esta relação para que só então o
adoecimento seja, de fato, caracterizado como oriundo da atividade
laboral e não provocado por outros fatores.
"Às vezes o problema não está diretamente relacionado à função
exercida, mas ao relacionamento interpessoal no ambiente de trabalho. O
profissional gosta do trabalho, porém o que compromete sua saúde são as
relações", explica o psiquiatra.
Ele analisa que o medo do desemprego e a pressão pelo desempenho são
fatores "motivadores" de crises e tensões e têm resultado em transtornos
mentais, já que, muitas vezes, desestabilizam emocionalmente os
profissionais envolvidos.
Categorias
O psiquiatra diz ainda que algumas categorias "estão mais vulneráveis
aos transtornos" pois têm o risco como fator inerente à profissão, como
os policiais. Já os professores e os bancários também vivem
situações-limite, expostos a riscos e violências, e têm grande índices
de adoecimento, mas por fatores externos à função.
Outro fator que potencializa os pedidos de afastamento, segundo o
psiquiatra, é o desarranjo provocado pelo cumprimento da jornada de
trabalho em horários não convencionais. "Grandes empresas que funcionam
24h, por exemplo, mexem com a dinâmica de vida das pessoas e geram
conflitos no campo pessoal. Com o tempo, este trabalhador tende a não
aguentar e acaba 'estourando'", afirma.
Muitas vezes os transtornos mentais podem se manifestar de forma
conjunta, conforme avalia o psiquiatra. Quadros de surtos psicóticos e
tensões bipolares, segundo ele, embora em menor proporção, também
ocorrem e são agravados pelos dramas do ambiente de trabalho.
Procedimentos
Para ter direito ao benefício do auxílio-doença pelo INSS, o
profissional precisa passar por uma perícia que deve ser agendada em um
dos canais de atendimento do órgão.
Segundo a assessoria de comunicação, o INSS custeia os auxílios-doença
de todos trabalhadores que contribuem com a previdência. Dentre eles,
enquadram-se os empregados da iniciativa privada, os avulsos, os
domésticos e os autônomos. Já para funcionários públicos, o recebimento
do auxílio pelo INSS depende do regime de contratação de cada gestão.
O Diário do Nordeste solicitou, na segunda-feira (9), à Secretaria de
Planejamento e Gestão do Governo do Estado (Seplag) informações sobre
licenças médicas de servidores públicos nos últimos três anos, porém a
pasta disse que não foi possível contabilizar os dados até o fechamento
da edição. A solicitação também foi feita ao Instituto de Previdência do
Município (IPM) de Fortaleza. Até o fechamento desta edição, não houve
retorno.
Opinião do especialista
Males são frutos de fatores genéticos e ambientais
O adoecimento mental tem sido muito discutido, em especial pela
complexidade do diagnóstico, do nexo com o trabalho e das formas de
prevenção. Ele é produzido por fatores individuais (genéticos) e
coletivos (ambientais). Algumas causas ou condições que podem
desencadeá-lo são estresse, pressão no trabalho, más condições do
ambiente laboral e novas tecnologias.
Os transtornos mentais têm alto impacto na vida de quem adoece, seja
por conta do tratamento, do sofrimento pessoal ou da família. Isso pode
durar meses ou anos até a recuperação plena ou parcial. No Brasil, estes
transtornos são a 3ª fonte de incapacidade para o trabalho, com mais de
200 mil casos anuais.
Para minimizar os altos índices, prevenir é o mais importante. Outras
ações eficazes são: mudar o foco na abordagem clínica dos transtornos,
transformar os modelos de gestão e investir em promoção da saúde.
Maria Edilma Fernandes
Médica do Trabalho
Transtornos afetam trabalho nas escolas
A interrupção das atividades laborais na escola em que atuava há nove
anos foi inevitável. O transtorno desencadeado por uma "briga" no
ambiente de trabalho fez com que a professora (que não quis ser
identificada), com 35 de magistério, parar. Com várias licenças
renovadas no decorrer dos últimos dois anos, a servidora pública lamenta
"não ter mais condição de servir à educação". O diagnóstico é depressão
e síndrome do pânico. Para o futuro, não há expectativa de retorno.
O doutor em educação e psicólogo da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas
da Universidade Federal do Ceará (UFC), Pablo Pinheiro, que realizou
recentemente uma pesquisa sobre a saúde de professores da rede pública
de ensino de um município da Região Metropolitana de Fortaleza, aponta
que dados da investigação "mostram que as professoras estavam submetidas
a um processo extremamente danoso de intensificação do trabalho".
Na análise, as educadoras relatam problemas vocais, dores no corpo,
distúrbios digestivos, alterações no sono, irritabilidade e
instabilidade emocional. A pesquisa também revelou como a violência na
escola afeta o trabalho docente e que o convívio com esta situação "é
uma fonte de profundo sofrimento psicológico para os educadores".
O presidente do sindicato da Associação dos Professores de
Estabelecimentos Oficiais do Ceará (Apeoc), Anízio Melo, reitera que é
notório o crescimento de transtornos mentais entre os professores nos
últimos anos no Ceará. Ele reforça que, hoje, o atendimento preventivo e
o paliativo relacionados à saúde dos educadores é praticamente
inexistente como política pública.
Dados sobe o afastamento de professores, nos últimos três anos, foram
solicitados pelo Diário do Nordeste à Secretaria de Educação na
terça-feira (10), Mas, após três dias, a Seduc informou que "não seria
possível consolidar e repassar os dados até o fechamento desta edição".
Thatiany nascimento
Repórter
Fonte: DN