segunda-feira, 16 de março de 2015

Doenças mentais geram 11 licenças médicas a cada 24h

Se durante muito tempo os males físicos foram os mais preocupantes entre os profissionais do Ceará, hoje é a mente que padece e as doenças psiquiátricas comprometem cada vez mais a rotina de trabalho.

Em 2014, em média, a cada 24 horas, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), concedeu 11 auxílios para profissionais cearenses diagnosticados com problemas psiquiátricos. Episódios depressivos, transtornos devido ao uso de substâncias psicoativas e esquizofrenia estão entre os principais motivos dos afastamentos.

No total, somente no ano passado, 4.074 auxílios foram concedidos pelo INSS no Estado a profissionais que contribuem com a previdência e apresentaram transtornos mentais e comportamentais. O número equivale a 6% do total de benefícios do tipo disponibilizados em 2014.

No período equivalente, 4.637 profissionais foram aposentados por invalidez no Ceará. Destes, 390 (8% do total) tiveram direito ao benefício por não conseguirem executar as atividades laborais devido a males psiquiátricos. Neste ano, 566 auxílios-doença já foram disponibilizados pelo INSS para profissionais cearenses que foram diagnosticados com algum problema mental.

Análise das queixas

"Na análise destas licenças, é preciso considerar se as queixas dos trabalhadores são realmente inerentes às atividades que exercem". A ressalva é feita pelo professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Antônio Mourão Cavalcante, que acrescenta que é fundamental observar esta relação para que só então o adoecimento seja, de fato, caracterizado como oriundo da atividade laboral e não provocado por outros fatores.

"Às vezes o problema não está diretamente relacionado à função exercida, mas ao relacionamento interpessoal no ambiente de trabalho. O profissional gosta do trabalho, porém o que compromete sua saúde são as relações", explica o psiquiatra.

Ele analisa que o medo do desemprego e a pressão pelo desempenho são fatores "motivadores" de crises e tensões e têm resultado em transtornos mentais, já que, muitas vezes, desestabilizam emocionalmente os profissionais envolvidos.

Categorias

O psiquiatra diz ainda que algumas categorias "estão mais vulneráveis aos transtornos" pois têm o risco como fator inerente à profissão, como os policiais. Já os professores e os bancários também vivem situações-limite, expostos a riscos e violências, e têm grande índices de adoecimento, mas por fatores externos à função.

Outro fator que potencializa os pedidos de afastamento, segundo o psiquiatra, é o desarranjo provocado pelo cumprimento da jornada de trabalho em horários não convencionais. "Grandes empresas que funcionam 24h, por exemplo, mexem com a dinâmica de vida das pessoas e geram conflitos no campo pessoal. Com o tempo, este trabalhador tende a não aguentar e acaba 'estourando'", afirma.

Muitas vezes os transtornos mentais podem se manifestar de forma conjunta, conforme avalia o psiquiatra. Quadros de surtos psicóticos e tensões bipolares, segundo ele, embora em menor proporção, também ocorrem e são agravados pelos dramas do ambiente de trabalho.

Procedimentos

Para ter direito ao benefício do auxílio-doença pelo INSS, o profissional precisa passar por uma perícia que deve ser agendada em um dos canais de atendimento do órgão.

Segundo a assessoria de comunicação, o INSS custeia os auxílios-doença de todos trabalhadores que contribuem com a previdência. Dentre eles, enquadram-se os empregados da iniciativa privada, os avulsos, os domésticos e os autônomos. Já para funcionários públicos, o recebimento do auxílio pelo INSS depende do regime de contratação de cada gestão.

O Diário do Nordeste solicitou, na segunda-feira (9), à Secretaria de Planejamento e Gestão do Governo do Estado (Seplag) informações sobre licenças médicas de servidores públicos nos últimos três anos, porém a pasta disse que não foi possível contabilizar os dados até o fechamento da edição. A solicitação também foi feita ao Instituto de Previdência do Município (IPM) de Fortaleza. Até o fechamento desta edição, não houve retorno.

Opinião do especialista

Males são frutos de fatores genéticos e ambientais

O adoecimento mental tem sido muito discutido, em especial pela complexidade do diagnóstico, do nexo com o trabalho e das formas de prevenção. Ele é produzido por fatores individuais (genéticos) e coletivos (ambientais). Algumas causas ou condições que podem desencadeá-lo são estresse, pressão no trabalho, más condições do ambiente laboral e novas tecnologias.

Os transtornos mentais têm alto impacto na vida de quem adoece, seja por conta do tratamento, do sofrimento pessoal ou da família. Isso pode durar meses ou anos até a recuperação plena ou parcial. No Brasil, estes transtornos são a 3ª fonte de incapacidade para o trabalho, com mais de 200 mil casos anuais.
Para minimizar os altos índices, prevenir é o mais importante. Outras ações eficazes são: mudar o foco na abordagem clínica dos transtornos, transformar os modelos de gestão e investir em promoção da saúde.
 Maria Edilma Fernandes
Médica do Trabalho
 
Transtornos afetam trabalho nas escolas

A interrupção das atividades laborais na escola em que atuava há nove anos foi inevitável. O transtorno desencadeado por uma "briga" no ambiente de trabalho fez com que a professora (que não quis ser identificada), com 35 de magistério, parar. Com várias licenças renovadas no decorrer dos últimos dois anos, a servidora pública lamenta "não ter mais condição de servir à educação". O diagnóstico é depressão e síndrome do pânico. Para o futuro, não há expectativa de retorno.

O doutor em educação e psicólogo da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas da Universidade Federal do Ceará (UFC), Pablo Pinheiro, que realizou recentemente uma pesquisa sobre a saúde de professores da rede pública de ensino de um município da Região Metropolitana de Fortaleza, aponta que dados da investigação "mostram que as professoras estavam submetidas a um processo extremamente danoso de intensificação do trabalho".

Na análise, as educadoras relatam problemas vocais, dores no corpo, distúrbios digestivos, alterações no sono, irritabilidade e instabilidade emocional. A pesquisa também revelou como a violência na escola afeta o trabalho docente e que o convívio com esta situação "é uma fonte de profundo sofrimento psicológico para os educadores".

O presidente do sindicato da Associação dos Professores de Estabelecimentos Oficiais do Ceará (Apeoc), Anízio Melo, reitera que é notório o crescimento de transtornos mentais entre os professores nos últimos anos no Ceará. Ele reforça que, hoje, o atendimento preventivo e o paliativo relacionados à saúde dos educadores é praticamente inexistente como política pública.

Dados sobe o afastamento de professores, nos últimos três anos, foram solicitados pelo Diário do Nordeste à Secretaria de Educação na terça-feira (10), Mas, após três dias, a Seduc informou que "não seria possível consolidar e repassar os dados até o fechamento desta edição".

Thatiany nascimento
Repórter
Fonte: DN

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