Com 308 quilômetros de extensão e em uma bacia hidrográfica distribuída em 24 municípios do Cariri e Centro-Sul, o Rio Salgado é o principal afluente do Rio Jaguaribe e o maior responsável pela recarga do Açude Castanhão, que abastece a Região Metropolitana de Fortaleza. Apesar da importância, inclusive no povoamento da região, o curso d'água sofre com a poluição e a destruição da mata ciliar, além das chuvas irregulares. A chegada das águas do "Velho Chico", por meio do Projeto de Integração do Rio São Francisco (Pisf), pode dar nova vida ao manancial.
Caminho da água
O Salgado surge da confluência do riacho dos Porcos e do Rio Batateiras, que nascem no sopé da Chapada do Araripe, o primeiro em Porteiras e o segundo no Crato. Encravado em um território com vários afluentes, sua bacia hidrográfica tem uma característica interessante: 20% dela são formadas pela Bacia Sedimentar do Araripe. Composta por vários aquíferos, as fontes naturais geram os primeiros riachos numa drenagem que começa a 750 metros de altitude.
No Crato, o Rio Batateiras se une aos rios Granjeiro e Saco-Lobo. Mais à frente, se encontra com o Rio Carás, que nasce no mesmo município, no distrito de Santa Fé e recebe água de outros riachos. Em Juazeiro, chamado de Rio Salgadinho, recebe água do Rio Salamanca, principal curso d'água de Barbalha. De lá, segue em direção à Cachoeira de Missão Velha, no município homônimo, se encontrando com outros riachos.
Do chamado Cariri Leste, o Salgado recebe água do Riacho dos Porcos, que tem como principal afluente o Riacho São Miguel, que nasce em Mauriti, tendo outros braços menores, como Jenipapeiro, que nasce na Paraíba e deságua no Ceará. Por isso, as chuvas em Porteiras, Brejo Santo, Barro, Jati, Penaforte e Abaiara são fundamentais para a recarga do Castanhão.
O Riacho dos Porcos deságua no Rio Salgado no distrito de Ingazeiras, em Aurora. Em sua maior forma, o rio segue até Orós, onde se encontra com o Jaguaribe. De lá, são aproximadamente 125 quilômetros até o maior reservatório do nosso Estado. "Mais de 60% da água acumulada do Castanhão são da bacia do Salgado. Aproximadamente, 20% do médio Jaguaribe e o restante do Alto Jaguaribe, mas só quando o Orós sangra. E isso nunca mais aconteceu", garante o geólogo, ex-presidente da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), Yarley Brito, que atua há mais de 40 anos na área de recursos hídricos.
Recarga
Com apenas 3% da capacidade, Yarley acredita que a recarga do Castanhão tem sido comprometida pela irregularidade das chuvas e pelas mudanças climáticas. "Há registros da segunda metade do século XIX, pela comissão científica do Império, que o Cariri tinha chuvas de pré-estação em outubro e, depois, passou para dezembro. A carga maior de chuvas depende muito da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT)", explica o especialista, citando o sistema meteorológico que atua nos trópicos e é responsável pela quadra chuvosa no Ceará.
Outro fator que tem atrapalhado, segundo o geólogo, é que as cabeceiras dos rios que conduzem a água até o Castanhão estão comprometidas. "Há uma série de vazios hídricos onde foram construídos reservatórios, como o Cachoeira, em Aurora; o Olho D'água, em Várzea Alegre; o Rosário, em Lavras da Mangabeira; e o Ubaldinho, em Cedro. Apesar de ser de pequeno volume, de qualquer forma, eles tiram a água que seguia pelo Salgado até o Castanhão", completa.
Poluição e urbanização
As duas maiores cidades do Cariri, Juazeiro do Norte e Crato, que juntas possuem população estimada em quase 410 mil habitantes, são as que mais preocupam na preservação do Salgado. O primeiro município apresenta crescente ocupação das áreas próximas ao curso d'água, já o segundo despeja seu esgoto nos rios e riachos que o cortam.
Pesquisadores da Universidade Federal do Cariri (UFCA) fizeram o levantamento do quantitativo de legislações que, de alguma forma, alteraram o Plano Diretor de Juazeiro. A partir da análise, perceberam mudanças em quatro das cinco zonas ambientais previstas na terra do Padre Cícero, deixando de ser zona especial para uso de comércio e serviço, por exemplo. Entre elas está a ZE3 Parque do Rio Salgadinho.
Em nota, a Secretaria de Meio Ambiente e Serviços Públicos de Juazeiro (Semasp) disse que a Autarquia Municipal de Meio Ambiente (Amaju) e a própria Pasta acompanham as atividades nas margens dos cursos hídricos, para que elas preservem as áreas de APP e tratem os efluentes antes do lançamento no corpo hídrico. Quem desobedece à legislação é punido administrativamente e obrigado a recuperar as áreas.
Em Crato, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre saneamento, até 2017, o índice de coleta de esgoto era de 63,25%, mas apenas 0,67% é tratado. A Sociedade Anônima de Água e Esgoto do Crato (Saaec) admite que os efluentes são colocados junto com o sistema de drenagem e seguem pelos rios.
O secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Territorial de Crato, Brito Júnior, confirma que o município tem poucas estações de tratamento e algumas estão inoperantes. A maior, no bairro Seminário, não executa 100% do serviço. No entanto, reforça que o município está com um projeto público-privado para executar uma grande obra de saneamento, financiada pela Caixa Econômica Federal, que resolverá o problema em até 15 anos "retirando todas as redes de esgoto que são lançadas hoje nos rios Batateiras, Granjeiro e Saco-Lobo".
Chuva e lixo
O engenheiro ambiental Marcos Vinícius Gomes alerta que, apesar da capacidade natural dos corpos hídricos se recuperarem através da autodepuração, não há justificativa para poluir ainda mais o Rio Salgado. "A chegada do período chuvoso carrega o lixo para outras partes do rio, dificultando a coleta dos resíduos", reforça. Entre as consequências está a mortalidade de peixes. "Isso traz impactos econômicos e sociais. Fica maior a necessidade de investir recursos para o tratamento de água, compromete o consumo humano e o turismo", completa.
Perspectiva
Com a conclusão do Eixo Norte do Pisf, a expectativa é que a água do 'Velho Chico' chegue ao Ceará até o primeiro semestre deste ano. Através dela, o Rio Salgado ganhará um importante reforço, já que o chamado 'eixo emergencial' do Cinturão das Águas do Ceará, obra do Governo do Estado, direcionará o recurso hídrico até ele. Assim, evitará um possível colapso hídrico na RMF.
Por 53 quilômetros de canais, túneis e sifões, a água seguirá por gravidade de Jati até o Riacho Seco, em Missão Velha, seguindo pelo Rio Salgado até desaguar no Rio Jaguaribe, onde cairá no maior reservatório do Estado. Segundo o diretor de Águas Superficiais da Superintendência de Obras Hídricas (Sohidra), Antônio Madeiro Lucena, a expectativa é que a vazão seja de 12 m³/s. Mesmo com uma possível perda no trajeto, de 3m³/s, é o suficiente para a garantia hídrica da RMF.
O tempo de transporte da água depende da calha do Rio Salgado. "Se estivesse cheia, era coisas de 20 a 25 dias. Já seco, pode levar de 40 dias a dois meses para chegar ao Castanhão", explica Lucena. "Só para encher e preencher o solo, parte da água será desviada. É como uma esponja. Depois que preenche, flui naturalmente sem perder água", completa Antônio Madeiro.
Economia
Com as águas do Rio São Francisco no Salgado, a expectativa é que o rio que banha o Cariri possa se tornar perene e reanimar atividades como a pesca e agricultura ao longo do ano. Hoje, isso já acontece, por exemplo, no Sítio Alves, em Aurora, onde há uma área de 60 hectares dedicada a um projeto agroflorestal de preservação da natureza e de cultivo de plantas nativas e espécies nobres - mogno e cedro. A iniciativa é do médico e produtor rural, Joary Lacerda. A manutenção das árvores no período seco ocorre graças ao curso d'água, que passa no entorno do terreno. "Temos água o ano todo", pontuou.
No município de Lavras da Mangabeira, que é banhado pelo Salgado, o agricultor Antônio Bezerra faz plantio de milho e feijão no período chuvoso. Já no tempo seco, costuma plantar em áreas de vazante. "O rio é a nossa salvação, assegura duas safras por ano", disse. "O nosso trabalho e a nossa renda dependem do Salgado", completa.
Também de Lavras da Mangabeira, o pescador artesanal Luiz Alves explica que, dependendo da cheia do rio, consegue uma renda de R$ 600 por mês. "Neste ano, ainda não está bom", pondera.
Outro pescador, Francisco José da Silva, o Titico, de Aurora, garante que a tradição de pescar no Salgado vem desde os tempos de seu avô. Com os peixes, conseguiu criar 10 filhos. "O rio era mais cheio. Eu pegava demais. Vendia barato e ainda dava para socorrer os vizinhos", lembra saudoso José da Silva.
DN
0 comentários:
Postar um comentário